O que leva uma mulher de 55 anos e 40 kg pegar uma moto com 4 vezes o seu peso, nova no mercado que se quebrar pelo meio do caminho já era? Ainda mais, em um grupo só de homens, indo para um lugar totalmente desconhecido e sem as mínimas comodidades que tem no seu dia a dia?
A resposta é simples, O ESTAR VIVO, O FAZER AGORA...
Esta viagem inicia em dezembro de 2018 quando me foi lançada a idéia. E em janeiro peguei uma moto que conseguiria dar conta da estrada e tudo começou a se tornar real, comecei a pensar no que seria necessário para completar este desafio:
Ponto 01 - Fortalecer a musculatura. Durante 2 meses fui a academia, mas era chato demais, desisti;
Ponto 02 - Começar a andar mais na terra, também não deu muito certo, família tem outras prioridades;
Ponto 03 - Superar o preconceito, este me fez desistir da viagem umas 10 vezes;
Ponto 04 - Me organizar no trabalho para ficar ausente 1 mês. Consegui uma garota incrível que me substituiu e foi perfeita;
Ponto 05 - Arrumar o dinheiro não só para a viagem mas para os equipamentos de segurança que eu não tinha, fiz uma Vakinha online onde tive ajuda de vários amigos e com apoio do marido tudo deu certo;
Ponto 06 - Acessórios para a moto, alforjes, afastador, preparação para a viagens, itens extras, mais uma vez quem tem amigo tem tudo, consegui ...
A ansiedade, o receio, o medo, claro que bateu várias vezes. Se daria certo, se eu daria conta, e mais várias neuras que surgem, eu não sabia. E com várias noites sem dormir e nem sempre com apoio, mas a teimosia e a obstinação não me fizeram desistir.
Todos os obstáculos superados, bora para a estrada realizar este sonho. Como não tinha tempo hábil para ir rodando até o ponto de partida, a moto foi até João Pessoa de Van com outras duas e eu fui de avião.
Cada dia foi um desafio uma superação um aprendizado...
No primeiro dia chegando a João Pessoa já a surpresa. Ficamos na Sede do Motoclube Bradadores, chuveiro gelado, descobri que nesta região chuveiro quente não existe, ok, vamos nos adaptar e aprender a tomar banho gelado.
Segundo dia fomos buscar a moto, que tinha ido de Van, mesmo eu pensando que tinha levado o mínimo de bagagem a moto estava pesada demais, difícil para mim com 1/5 do peso da moto + bagagem, e neste dia soubemos que a viagem seria adiada até arrumar as 2 motos que deram problemas pela gasolina adulterada que pegaram pelo caminho.
E eu tinha mais um desafio pela frente, não tinha roupa para "turistar" por João Pessoa, beleza seguimos com o que tem. Ficamos 5 dias em João Pessoa, lugar lindo que irei voltar com mais tempo e preparada para curtir a cidade.
No dia da partida resolvi que tinha que diminuir minha bagagem, ai começou o desapego, não ia dar certo levar tudo aquilo, 1/4 das roupas já ficaram para ser doadas.
A parte de andar de moto neste primeiro trecho de asfalto foi tranquila, nada que não tivesse feito antes, claro eram muitos kms por dia e todos os dias, uma resistência que nem eu sabia que tinha. Primeiro desafio de verdade foi uma estradinha linda no Ceará com vários tipos de terrenos, meu primeiro tombo, em uma subida dos infernos de areia, acabei pegando uma pedra encoberta e chão. Amigos entrando em ação, levantaram a moto e terminaram a subida. Em mim não deu nada, apenas um hematoma e seguimos viagem.
Primeira noite na estrada ficamos em um hotel dentro de um posto de gasolina 24 horas, a luz do posto era tão forte que no quarto parecia dia, foi difícil dormir nestas condições e claro, mais banho frio.
Outro dia de estrada boa, sem muitos problemas fora os animais na pista, que era uma constante naquele lugar, quando na parada mando localização em casa e o marido fala: "mas vocês vão ficar na zona?" sim era uma "casa da luz vermelha" ou seja lá como vocês preferirem chamar este local. Mas foi tranquilo. O chuveiro era gelado mas o lugar era limpo, e este dia teve mais desapego. O sabonete liquido não deu o resultado que eu queria então ficou por lá, vamos usar aqueles sabonetes ruins de hotel mesmo, pensei.
A parte de verificar a moto antes de sair, deixava para os amigos, não sei nem colocar ar no pneu. No terceiro dia de viagem minha bagagem não parava na moto, caia demais, Serginho, um dos integrantes da viagem, assumiu mais esta função e me ajudou.
Quarto dia na estrada em Araguatins - TO, uma das melhores surpresas... um chuveiro quente, e este dia mereceu até um vestido para o jantar.
Quinto dia, já tinha passado por tantas pontes de madeira que estava me sentindo o Rossi das Pontes, claro muita confiança dá merda. Cai na ponte e fiquei presa pelo colete (cena hilária) mas resultou apenas em mais alguns hematomas e o tornozelo um pouco inchado. Neste dia foi banho quente novamente, mas o shampoo estourou na necessaire, uma porcaria só, salvar o que dava e o resto pro lixo.
Sexto dia, o zíper da bota não resistiu e claro, não achei outra para comprar, colocar Silver Tape e bola pra frente... nessas horas o que importa é resolver o problema. Depois disso, mais um desafio me esperava, tenho horror a balsas ou qualquer coisa que ande sobre a água, foi tenso mas o visual no Rio Xingu foi tão lindo que até esqueci e curti, mais uma superação.
Sétimo dia, o pé já estava bom, já não ligava mais se o banho era frio, se a sujeira daquele pó vermelho saia na toalha, o cabelo era só prender, a roupa era trocada uma vez ao dia e descartada sem condições de reaproveitamento.
Oitavo dia, as queimadas já eram uma constante, meu pneu furou e perdemos quase 3 horas para arrumar. Como eu não sei nada sobre manutenção de motocicletas, para não atrapalhar me mandaram seguir até um ponto de apoio no Parque Nacional da Amazônia. Acabei me dando bem! Que lugar lindo, pessoas incríveis e acabei passando horas descansando com sombra e água fresca.
Neste dia, acabamos andando pouco e paramos no Hotel e Churrascaria Amigo Garimpeiro, parada obrigatória para quem vai para aqueles lados.. esqueci meu carregador de celular lá.. se alguém passar por lá, por gentileza resgate-o rsrsrs.
Nono dia, acordar numa ressaca horrível e atrasada, pra que tomar cerveja se está na estrada, foi um descuido. Neste dia fomos conhecer Fordlândia. Andei uns 20 e poucos km e desisti, pois estava cansada e a estrada era horrível, com muitas valas, areia, pedras soltas. Parei em uma comunidade e fiquei novamente só na sombra e água fresca, conhecendo um pouco mais sobre as pessoas que moram naquele lugar, e de lá seguimos para Jacareacanga.
Na entrada da cidade um vendaval terrível, parecia aqueles filmes de terror ou de Marte, depois veio a chuva, 8 km de estrada de terra na chuva, mas isso não foi pior, como estava calor nem pensei em colocar uma blusa ou procurar a capa. Não tenho massa corpórea e quase congelei, o capacete com a vibração da estrada já tinha caído um parafuso da pala e sem ela na chuva não enxergava nada, foi tenso mas no fim tudo se ajeitou.
Décimo dia, em Jacareacanga ficamos sabendo que teríamos 90 km de estrada péssima, já tinha passado por vários trechos ruins, estava segura que daria conta, mas segurança demais nunca é bom, e quase no final deste trecho ruim, estava um pouco mais rápida e tomei a decisão e maneira errada de entrar no barro, a moto rabeou e acabei caindo. Os meninos estavam um pouco na frente, e fiquei uns 5 minutos embaixo da moto, presa, o que pareceu uma eternidade. O colete protetor segurou o pior mas bati com o peito no chão, ai a dor começou não conseguia mais me concentrar, tudo parecia mais difícil do que era, comecei a amarelar foram mais 3 tombos bestas em menos de 1 km de estrada, perdi a confiança. O que fiz fácil em dias anteriores parecia ser impossível naquele momento e nem uma ponte consegui passar, neste lugar, sem confiança, não tem chance de dar certo. Segui até terminar o trecho péssimo e me arrastando, consegui chegar a Apuí.
Décimo primeiro dia, 25/08, aniversário de 19 anos da minha "BB" mais nova. A noite não consegui dormir, não tinha posição, tudo doía. Levantei péssima, que sensação horrível, depois de conversar em casa decidi que pararia ali mesmo, estando perto do fim...
Todos os companheiros de estrada tentaram me animar, "vamos devagar, você consegue", mas na minha cabeça já estava decidido, era hora de voltar para casa.
A moto não estava mais 100%, guidão torto, pisca quebrado, bolha presa com hellermann, placa parafusada (já tinha quebrado nos primeiros dias), achei melhor acionar o seguro, mandar a moto de guincho e eu, como desse. Depois de tudo acertado, os meninos seguiram viagem e fiquei. Procurei um hospital na cidade, até achei um mas sem médico. Uma enfermeira me atendeu e tomei uma injeção com uns remédios para a dor e voltei para o hotel.
Tristeza, decepção, frustração, não sei nem como classificar o que estava sentindo, se tivesse descansado uns dias conseguiria, mas já foi ... "I SI" não vale nestas horas...
Décimo segundo dia, e começou a saga para voltar para casa. Mandaram me buscar de carro, e saímos as 8 horas da manhã e acabei fazendo de carro o que faria de moto. Até seria tranqüilo se estivesse bem. Cheguei em Porto Velho por volta das 20 horas, e de lá pegaria um vôo as 23h30 para Manaus e de Manaus para São Paulo às 4 horas. Em Manaus o efeito do remédio passou e eu não conseguia nem tirar as coisas da mala pra pegar o remédio. Foi tenso, e cheguei em Guarulhos as 9 horas do dia seguinte, e em casa 27 horas depois de sair de Apuí.
Estava cansada mas feliz de estar de volta, nada como 3 minutos de abraço... À tarde fui ao hospital, e não era nada muito grave, só uma contusão. Tomar remédio por uns dias e esperar passar a dor física, a emocional demorou um pouco mais, mesmo todos falando que fui longe demais, cheguei quase lá, mas pra mim, faltou algo, faltou a foto no final..
Meses depois já consigo ver as coisas diferentes, superei meus limites, preconceito por ser mulher, viajar só com homens, inexperiente naquele tipo de estrada, fui e fiz 90% do desafio proposto 4.300 km numa das rodovias mais cruéis do país.
Agora é bola pra frente e que venham novas estradas novos desafios. Estarei sempre pronta!
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