Por Alethéa Torres
Desde muito pequena, com cerca de 4 anos de idade, andava na garupa de meu pai que me levava à escola na lendária CB 400. Me lembro que usava um capacetinho infantil CBP que hoje seria uma relíquia. Depois, um pouco mais velha, a cada ida de nossa família para a praia, insistia para irmos de moto. Descíamos então a Serra, eu e ele de moto, enquanto minha mãe ia de carro com meus irmãos.
Cresci com esta paixão dentro de mim, mas os rumos para a habilitação seguiram seu próprio caminho. No processo para tirar a carta de motorista, já aprovada na condução de carros, me descobri também aprovada na Faculdade em outra cidade. Vieram mudanças, e nessa precisei aguardar então o processo da habilitação para moto.
Alguns anos depois, mudei para o interior e novamente a vontade de ter uma moto despertou. Mas, logo que cogitei entrar na auto escola, me descobri grávida. Tempos depois, nova gestação, e meus planos de motociclista foram adiados novamente.
Nunca deixei de andar de moto. Com marido também motociclista, segui na garupa sem nenhum ressentimento, aproveitando a paisagem, fotografando, auxiliando a navegação de nossos passeios.
Pouco se fala sobre o empoderamento das #garupas, que são guerreiras!
Hoje sei que a viagem na garupa é ainda mais cansativa do que quando se está pilotando. E que uma viagem com uma garupa participativa pode ser muito mais suave, pois se pode ajudar na navegação e realizar os registros com fotos e filmagem.
O tempo passou, mas meu sonho não.
Quando completei 40 anos, a vida me impulsionou a, enfim, tirar a sonhada habilitação. Meu marido havia adquirido uma moto mais potente, meus filhos já não eram mais bebês e, por vezes, ocupavam a garupa. Estávamos andando mais e para mais longe.
Aconteceu que, em um destes passeios meu esposo se sentiu um pouco mal e eu me vi incapaz de conduzir a moto até um local seguro. Voltei decidida, e me matriculei numa auto escola. Até então não tinha qualquer perspectiva de ter minha própria motocicleta, porém tinha firme o propósito de poder assumir, se assim fosse necessário.
O processo foi intenso! Não tinha nenhuma noção do que fazer, e tive um instrutor pouco incentivador, que em dado momento chegou a sugerir que eu não tinha talento para a pilotagem, e que deveria aceitar o que fazia bem, que poderia tentar uma torta de frango.
No dia da prova lá estava entre tantos jovens, alguns claramente com experiência em pilotagem, e eu sendo chamada de "Senhora." Tive uma reprova, mas não desisti.
Minha família me apoiando, e um apoio incrível do meu sogro, que do alto de seus quase 80 anos ainda pilota diariamente sua Harley e é o motociclista mais antigo na ativa que eu conheço. Ele, com toda paciência, saiu comigo vários e vários dias para treinar em um estacionamento.
Enfim, passei. O dia da aprovação foi uma alegria, mas a experiência real é fundamental!
Experiência esta que se adquire com quilômetros rodados e muitas dicas, treinamentos, vídeos, tudo que cai na minha mão sobre o assunto eu devoro. Agradeço em especial o meu marido, mas também a tantos amigos que nesta jornada me deram alguma dica valiosa.
Hoje já acumulo muitos, milhares de quilômetros rodados. Já fiz viagens, participo de um coletivo de mulheres motociclistas em minha cidade, e aproveito todos os momentos que posso para inventar algum destino para conhecer.
Quando pilotando me dispo de todas os papéis que diariamente exerço: mãe, mulher, amiga, filha, irmã, profissional, e assumo apenas as rédeas da minha estrada. Liberto a alma para alçar os vôos de que ela precisa!
E em um dia desses, meu pai, aquele que plantou a primeira semente desta paixão, me entregou com muito orgulho uma pequena herança, na forma de um broche. Nele se estampa um motociclista entre asas.
Destes elementos que se passa de pai para filho, ele escolheu esse para ser destinado a uma filha. E assim, com sua aprovação, repentinamente, me deu mesmo sem saber, as asas mais importantes para quem já sabe voar.
Para se conectar com a Alethéa, fica aqui um link pro perfil dela no Instagram: Aletgaba
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